quinta-feira, 2 de junho de 2011

Um seriado de ficção científica brasileiro que pode revolucionar a tevê: “3%

Do Contraversão.
Gostei das influências que os caras tiveram.


Um seriado de ficção científica brasileiro que pode revolucionar a tevê: “3%”

Fui realmente surpreendido ao abrir um e-mail que os criadores da série “3%” me enviaram. Não só era um seriado de ficção científica brasileiro de excelente qualidade, como prometia ser um marco do gênero. O problema é que só tiveram verba para fazer o piloto, que você pode ver nas três partes abaixo.
O seriado de tevê “3%” mostra um futuro alternativo em que, ao completarem 20 anos, os jovens precisam passar por um teste. Apenas os aprovados poderão viver do outro lado e serem parte da elite dominadora, enquanto os outros continuam morando em um mundo de miséria e desolação. Somente 3% dos candidatos são aprovados. Isso te lembra alguma coisa? 

Essa premissa de divisão de classes elevada a enésima potência está presente em grandes clássicos, como os livros “1984” de George Orwell e “Admirável Mundo Novo” deAldous Huxley. A cenografia e o figurino da série são uma versão cinza do clássico filme“THX 1138”, o primeiro de George Lucas (aquele mesmo de “Star Wars”).
Mas a grande referência do roteiro é da obra máxima da burrice burocrática: “O Processo”de Franz Kafka. Certos diálogos parecem ter sido extraídos diretamente das sufocantes páginas desse grande clássico da literatura. Posso ver o sistema alienado pela própria existência e o humor sádico típicos das narrativas kafkianas.
Adoro essa sensação que amplificar problemas claustrofóbicos da sociedade nos ajudam a perceber as falhas do ser humano. No caso de “3%”, fica muito explicita a crueldade do processo seletivo dos vestibulares brasileiros. Muitos acabam sendo prejudicados para que poucos tenham a oportunidade de um futuro melhor (pelo menos na teoria).
Mandei algumas perguntas para a equipe do seriado que respondeu rapidamente e me deixou ainda mais com vontade de ver mais episódios. Dá uma sacada como foi esse bate papo:
Como surgiu o projeto de “3%”? 
Pedro Aguilera criou a ideia a partir do briefing do edital FICTV. Desenvolvemos juntos o projeto, que foi para a comissão e acabou selecionado para a etapa de desenvolvimento do piloto. Na época, não ganhamos o desenvolvimento da série, mas agora aprimoramos o projeto para negociar com as TVs. 
Quais foram as referências para construir o universo misantropo de “3%”? 
O criador e roteirista da série foi bastante influenciado por distopias, como ”1984” e “Admirável Mundo Novo” na criação da série. Nós, diretores, pensamos em referências como o próprio filme do “1984”, o ”O Processo” de Orson Welles, “Metropolis”, “A Experiência” (Das Experiment), “Edukators” e “Quero Ser John Malkovitch”. O seriado “Lost” é uma referência importante na criação de clima e suspense. Quanto a leituras, pesquisamos sobre “panóptico” de Foulcault e o “Experimento da Prisão de Stanford”. Para leituras de direção nos concentramos no “Fazendo Filmes” (Sidney Lumet) e “Directing” (Michael Rabiger). 
Uma das coisas que mais me chamaram a atenção foi a escolha do elenco, que parece estar muito bem afinado. Quem fez esse trabalho? Sabem alguma coisa sobre o currículo desses atores? 
Realmente, nós adoramos o elenco. A produtora de elenco, Patricia Faria fez um ótimo trabalho no casting. Procuramos por atores capazes de segurar uma série inteira, que têm cenas com emoções dos mais diversos tipos. Além, é claro, de trazerem muita verdade e serem muito carismáticos. O trabalho com o preparador de atores Roberto Audio nos ajudou a aprofundar na vida, no modo de pensar, nos sentimentos desses personagens. A maioria dos atores são do teatro paulista, com grande experiência nos palcos, como por exemplo o pessoal do Vertigem, que inclui o próprio Roberto Audio, a Luciana Schwinden e o Marçal Costa, e do Jogando no Quintal, o Cesar Gouvea. O elenco jovem é encabeçado por Julia Ianina, Rita Batata, José Geraldo Rodrigues, ambos que já trabalharam, além do teatro, em muitos curtas e longas metragens, e Thiago Balieiro, cuja estreia para as câmeras aconteceu com o “3%”.   
Fazer cinema ou tevê no Brasil é mais um exercício de política do que de mercado. Vocês foram favorecidos por alguma das leis de incentivo? O que acham delas? 
Através do edital FICTV tivemos o investimento para a realização do piloto e desenvolvimento da “bíblia” (argumentos de todos os episódios da primeira temporada, textos conceituais e alguns roteiros) do projeto. Achamos as leis de incentivo importantes para dar vida ao mercado audiovisual, que ainda é frágil, mas tem enorme potencial de desenvolvimento. 
Por que a cultura brasileira como um todo tem dificuldade de produzir ficção científica? Vejo isso na literatura, quadrinhos, cinema e agora TV! 
Talvez esteja relacionado à dificuldade técnica de se fazer esse tipo de filme. Especialmente no passado, quando se exigia altíssimos investimentos. Então não se criou uma cultura de ficção científica. Hoje em dia, com os recursos digitais mais e mais acessíveis é possível fazer efeitos com os restritos orçamentos do nosso mercado audiovisual. Mais e mais novos gêneros serão explorados conforme se desenvolve nosso mercado. A gente gosta de ficção científica, assim como gosta de muitos outros gêneros. Fazer uma série desse gênero, criando um universo particular, foi a melhor forma que encontramos de falar sobre a realidade dos jovens do nosso país. 
Apesar de não falar diretamente disso, a série é uma dura crítica aos vestibulares. Por que eles são um problema e como poderia ser substituídos? 
Originalmente a série foi concebida para se pensar sobre a entrada de jovens de classes C, D e E no mercado de trabalho. Assim, ela não se limita a uma forma de seleção dura como vestibular, mas às inúmeras etapas de seleção social que existem na nossa sociedade.  Pensamos em fazer um conceito universal, que poderia ser interpretado como diferentes ritos de passagem: passagem para a vida adulta, entrada no mercado de trabalho, vestibular, mudança de vida… É interessante notar o retorno das pessoas em relação a isso. Cada uma identifica no “3%” um obstáculo diferente, geralmente ligado a algo que viveu. Isso é muito gratificante porque percebemos que estamos conseguindo nos comunicar com os espectadores, que eles se identificam, que a série mexe com eles de alguma forma. O problema é realmente maior que o vestibular, é toda uma estrutura social cujas engrenagens estão tão encaixadas que fica difícil até mesmo apontar alternativas para a inclusão. Não somos especialistas nos problemas sociais do Brasil, apenas sabemos que há muita injustiça. Somos cidadãos mas somos também cineastas. A nossa forma de fazer alguma coisa para melhorar essa questão foi tentar fazer uma obra audiovisual que ao menos incentivasse as pessoas a identificarem a crueldade dessas estruturas e iniciarem algum tipo de reflexão. Estamos muito longe de saber a solução, mas sabemos que ignorar o problema é o pior a se fazer.    
Dá pra perceber uma forte influência de filmes claustrofóbicos, como “O Cubo”, “Eden Log” e “1984”. O que acham desse tipo de cinema? 
Eles criam um fascínio de um tipo de sociedade que não foi a nossa, mas poderia ser. Fazem pensar sobre nossa própria sociedade, as injustiças da organização social e como ser um indivíduo nesse meio. Como deixar aflorar a humanidade nesses ambientes inóspitos e ultra-controlados. 
O que podemos esperar dos próximos episódios?
Que o universo de “3%” é mais complexo que aparenta. E que conhecer os protagonistas vai ser uma experiência intensa, especial, já que eles terão que se superar nesse ambiente tão duro.  
Vocês têm medo de nunca terminar de filmar essa história? O que fariam?
Temos muito mais esperança que medo. Os produtores da Nation Filmes estão nos apoiando e correndo atrás de canais de TV interessados. Vencemos o Festival Internacional de TV no Rio de Janeiro em 2010 e vamos ao Festival de TV de Nova York no segundo semestre. Então o projeto ainda tem boa visibilidade. A recepção na internet está nos deixando muito feliz. Estamos esperançosos que conseguiremos o financiamento de alguma rede de TV para os próximos 12 episódios dessa primeira temporada. 
Se um possível patrocinador estiver lendo essa entrevista, que mensagem você deixaria para ele?
Que acreditamos muito no projeto, que a recepção na internet está sendo ótima e que tem muita coisa legal pra acontecer na primeira temporada do “3%”. A produção independente no Brasil, aquela que não é produzida por nenhuma emissora de televisão, se realiza por leis de incentivo fiscal, em que o investidor muitas vezes não precisa por dinheiro do bolso para patrocinar o projeto. Então quem gostou do piloto, pode entrar em contato com nossos produtores (Nation Filmes 11 21643469, http://www.nationfilmes.com/), e a gente explica com o maior prazer como você pode patrocinar nossa série, através de incentivo fiscal.

Não foi a primeira vez que um bom projeto me procura pedindo ajuda para conseguir patrocínio e ser concluído. Por isso, peço aos fãs de ficção científica e seriados pra darem uma força divulgando esse post!

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