sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Os (muitos) desafios diante de Dilma

Do vi o mundo.


Os (muitos) desafios diante de Dilma

por Luiz Carlos Azenha
A presidente Dilma Rousseff assume o poder diante de imensas oportunidades. A economia brasileira cresce com inclusão social. O início da exploração comercial do pré-sal dá ao governo a perspectiva de ter mais dinheiro para investimentos. Haverá fila para trazer dinheiro de fora.
Ainda assim, Dilma terá pela frente um desafio enorme: como produzir mudanças transformadoras da sociedade brasileira, que o século 21 requer, com uma base política cuja sobrevivência correrá risco se Dilma fizer as mudanças transformadoras de que o Brasil necessita. É o eterno dilema político dos que não se pretendem conservadores: existe sempre o risco de plantar as sementes da própria destruição.
Erradicar a miséria é um objetivo louvável e, conforme avaliação do presidente do IPEA, Marcio Pochmann, alcançável. Trata-se da mais marcante proposta política feita pela futura presidente na campanha eleitoral. Porém, cumprir este objetivo não basta: o Brasil requer um salto qualitativo na educação, na capacidade de produzir mercadorias de alto valor agregado (com os respectivos empregos de melhor qualidade), na produção de Ciência. Estes objetivos se confundirão se o governo Dilma decidir buscar o caminho de tirar do Brasil, definitivamente,  do papel de produtor e fornecedor de commodities.
Críticos à esquerda do governo Lula sempre miraram no que pareceu, a eles, a reedição brasileira das famosas veias abertas da América Latina: projetos de infraestrutura (ferrovias, hidrelétricas, a transposição do rio São Francisco) que visam facilitar a produção e o escoamento de matérias primas e a adição de terras aos projetos do agronegócio, com a formação “técnica” de mão-de-obra como paradigma educacional. Trocando em miúdos, nessa equação bilionária o “povo” entraria com os baixos salários. O avanço é que os baixos salários estariam registrados em carteira.
Para que Dilma de fato representasse uma mudança qualitativa, seria necessário ir além da regionalização e da interiorização que marcaram o governo Lula. Seriam necessários fortes investimentos em Ciência e Tecnologia que priorizassem as vantagens comparativas brasileiras em relação a outros países (biotecnologia, por exemplo). O neurocientista Miguel Nicolelis já apresentou aqui no Viomundo uma detalhada proposta sobre um dos caminhos para fazer isso.
Mas, acima de tudo, um governo transformador exigiria que Dilma lidasse com questões politicamente espinhosas, sem as quais não haverá a possibilidade de incorporar toda a capacidade intelectual e criativa dos brasileiros que o momento exige: reforma agrária, reforma urbana e a livre circulação de ideias, sem o controle monopolístico de algumas famílias sobre os meios de comunicação.
O caráter conservador do governo Dilma, representado na escolha do ministério, deixa claro que dificilmente teremos avanços significativos nestas três áreas, a não ser por conta de um empenho improvável da própria presidente. Isso se deve não só aos compromissos de Dilma com a coalizão, mas ao avanço, dentro do PT, das correntes identificadas com a modernização conservadora, dirigida de cima, sem “sustos”.
Tão significativo quanto termos tido uma Conferência Nacional de Comunicação é o fato de que as resoluções da conferência não foram adotadas. O diabo mora, sempre, nos detalhes. E os detalhes da escolha ministerial de Dilma revelam que o perfil do futuro governo será de um certo “mudar, para não mudar muito”.

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