“Tiramos Zelaya porque foi para a esquerda e colocou comunistas no governo"
Chamamos isso de inversão de valores?
Do Leitura Global.
Golpista hondurenho desmente mídia brasileira
por Vinícius Wu
A declaração de ontem do autodenominado presidente interino de Honduras, o golpista Roberto Micheletti, ao jornal argentino “Clarin”, desmoraliza a cobertura da “crise em Honduras” realizada por alguns dos principais órgãos de imprensa do Brasil. Foi o próprio golpista hondurenho quem declarou: “Tiramos Zelaya por seu esquerdismo e corrupção. Ele foi presidente, liberal, como eu. Mas se tornou amigo de Chavez, Correa e Evo Morales”. Segundo Micheletti, o presidente eleito, Manoel Zelaya, preocupou as autoridades hondurenhas, pois “se tornou esquerdista” e convidou “comunistas” para seu governo. Estes foram os motivos do golpe segundo seu principal artífice.
A esmagadora maioria das matérias veiculadas nos jornais impressos e telejornais brasileiros iniciam ou terminam seus textos com ressalvas do tipo: “o presidente deposto, Manuel Zelaya, que pretendia alterar a Constituição para se manter no poder” ou “Manuel Zelaya deposto após tentar aprovar sua reeleição”. A informação, repetida mil vezes por aqui, era que Zelaya queria aprovar sua reeleição, contrariando a constituição, e, por isso, havia sido derrubado. Esqueceram-se, apenas, de combinar o discurso com o golpista Micheletti.
Muita gente bem intencionada preferiu reproduzir o mantra oficial, ao invés de proceder a averiguação dos fatos. Digna exceção foi o experiente jornalista Mauro Santayana que nos alertou, em artigo publicado no Jornal do Brasil, para o fato de que Zelaya não propunha a aprovação de sua reeleição, mas sim uma consulta à população sobre reforma constitucional. Ainda que tivesse em seus planos aprovar a reeleição naquele país, já não haveria tempo de o próprio Zelaya beneficiar-se da mesma. O artigo de Santayana está disponível em http://www.cut.org.br/content/view/16873/170/
Desde o início da “crise em Honduras”, a cobertura da mídia brasileira procura omitir informações e distorcer fatos com o claro objetivo de relativizar o golpe naquele país. A começar pelo sutil eufemismo com que os jornais anunciam suas matérias. As “cartolas” dos grandes jornais (aquele titulozinho que fica acima das matérias) falam de “crise em Honduras”, quando deveriam estampar “golpe em Honduras”, pois é disto que se trata.
Os ataques à posição do governo brasileiro frente ao golpe buscam disfarçar a evidente concordância de parte dos escribas da direita brasileira com os golpistas. Frente a um presidente que pretende “perpertuar-se” no poder, o recurso ao golpe de Estado é algo perfeitamente válido para alguns articulistas da grande imprensa. Naturalmente, o mesmo ardil não seria válido nos casos de Álvaro Uribe, que tenta aprovar, este sim, sua própria reeleição, ou do próprio FHC, que o fez com apoio da grande mídia.
A relação instrumental de parte da grande mídia com a democracia é algo, no mínimo, preocupante. Em um país recentemente governado por um regime de exceção – que ainda caminha para uma efetiva reconciliação com seu passado – a complacência de órgãos de imprensa com um golpe de estado não pode ser aceita passivamente pelas forças democráticas. Ainda mais se somarmos este fato à postura da grande mídia frente ao tema da punição dos torturadores do regime militar. O que está em jogo é o futuro da questão democrática no Brasil. E, infelizmente, não há grandes indícios de que a democracia e o respeito à soberania do voto popular sejam temas universais em nosso país.
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