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dica 033 (parte 2) - Morar em apartamento
O modus vivendi de nossos herois médio-classistas, cuja característica mestra consiste no "morar em apartamento", contribuiu para a instituição de uma nova realidade urbana não apenas pela geração dos "filhos de apartamento". Uma outra esquisitice daí proveninente também mudaria de figura as nossas cidades: os empreendimentos imobiliários.A evolução do "morar em apartamento" causou profundas mudanças na maneira como se constroi uma cidade. Se antigamente um edifício era projetado e implantado por um arquiteto, sobre uma malha urbana determinada por um urbanista, e colocado de pé por um engenheiro, atualmente a Classe Média só compra imóveis projetados por publicitários. O publicitário é uma figura de extrema relevância para a Classe. É algo como um guru. Sua função extrapola a mera tradução dos valores do médio-classista e sua consequente materialização em forma de produto, para na verdade formatar a preferência deste cidadão e impor-lhe tudo aquilo que ele deve gostar. Se você quer ser um médio-classista normal, terá que gostar dessa situação. Do contrário será convencido por um publicitário.
Com a cidade sendo construída pelos empreendimentos do Depto. de Marketing, o desenho urbano e as relações sociais vão tomando a cara da Classe Média. Todo prédio tem um nome, que quando não é o nome de um médio-classista falecido (com sobrenome italiano), é um estrangeirismo. Os idiomas preferenciais são o inglês, o francês e o próprio italiano. As excessões ocorrem quando o marqueteiro resolve batizar o prédio com o nome de um lugar que ele visitou. Publicitários só visitam o estrangeiro.
Tendo este meio de vida se instaurado e solidificado no seio da Classe Média o "filho de apartamento" passou a ser considerado uma espécie de instituição, de forma que os empreendimentos agora tentam redefinir as condições. Médio-classistas , hoje em dia, podem escolher morar em um empreendimento chamado Château De Douceur, onde estão disponíveis nas áreas comuns o "Espaço Kids", para os pequenos brincarem o dia inteiro, o "Espaço Teen", para os adolescentes, o "Garage Band", para os filhos terem o direito de serem rebeldes enquanto a empregada leva suco e biscoitos. Também há o "Woman's Space", para ficar vazio enquanto você frequenta o salão do momento. O "Espaço Gourmet" para dizer aos outros que você é refinado e cozinha por prazer, enquanto a empregada deixa tudo pré-pronto em segredo, e ainda lava as panelas. O "Fitness Center" para ficar vazio enquanto você paga uma academia perto do trabalho, e muitos outras salas com nomes estrangeiros. O objetivo disto, além de encarecer absurdamente o condomínio, é fornecer argumentos ao publicitário para que o tamanho dos apartamentos seja cada vez mais diminuto, no pressuposto de que ninguém ficará lá dentro com tantas atividades dando sopa no pilotis.
Por fim, neste novo jeito de morar, uma coisa é imprescindível: grades. O mundo lá fora é mau. A gente de bem está do lado de dentro. Por isso, no espaço urbano todas as características da Classe Média convergem para um único organismo, que é o "lado de dentro". Médio-classista evita sair na rua. Rua é pra pobre, é onde passa ônibus e onde estão os assaltantes. O médio-classista anda de garagem em garagem, da garagem de casa para a garagem do shopping, do trabalho, da academia. Sem contato nem com o ar do lado de fora. Filho de apartamento tem alergia a fumaça, poeira, plantas de verdade e pobre. Assim, a cidade da Classe Média é hoje um núcleo fortificado, à espera de um ataque bárbaro a qualquer momento. Para isso, métodos de segurança dos mais modernos foram desenvolvidos, como lanças e homens armados. Dizem que em São Paulo uma Construtora aguarda autorização do Ibama para construir um sistema de fosso com jacarés. Será o primeiro Eco-Security-Residence do Brasil.
Sensacional o texto. E ainda tem mais: Tem as casas com "sky lounge" e "living", condomínios com "bookstore", apartamentos com "sala de home (?!?!?!), e espaços para wellness (?!?!?!?!)... e viva o Brasil e seu apreço pela cultura nacional.
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