Não ia mesmo demorar pro Cid fazer mais uma de suas cagadas.
MANIFESTO DIRIGIDO AO GOVERNADOR CID GOMES E AOS DEPUTADOS E DEPUTADAS DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO CEARÁ
Pela retirada de pauta ou rejeição do Projeto de Lei que DISPÕE SOBRE OS CASOS DE DISPENSA DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO ÂMBITO DO ESTADO DO CEARÁ
Pela retirada de pauta ou rejeição do Projeto de Lei que DISPÕE SOBRE OS CASOS DE DISPENSA DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO ÂMBITO DO ESTADO DO CEARÁ
Os cidadãos e as cidadãs abaixo firmados vêm se dirigir ao Governador do Estado do Ceará e aos deputados e deputados que compõe o Poder Legislativo Estadual para manifestar sua contrariedade e frontal discordância com o Projeto de Lei que dispõe sobre casos de dispensa de licitação, por entender ser o mesmo absolutamente inconstitucional, contrário ao interesse público, nefasto ao meio ambiente, violentando princípios já consagrados do Direito Ambiental, como o da prevenção e da participação popular, razão porque pedem, em primeiro lugar, a sua retirada de pauta pelo Chefe do Poder Executivo ou, caso isso não ocorra, sua rejeição pelos senhores e senhoras deputados e deputados, pelas razões que seguem:
1. O projeto fere a regra de repartição de competências entre a União e os Estados definida como “competência concorrente” pelo art. 24 da Constituição Federal. Ali, depois de determinar que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar, dentre outros casos, sobre: VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição, dispõe, em seus parágrafos 1o a 4º, que, à União cabe estabelecer “normas gerais” e aos Estados “suplementá-las”.
2. O mestre do Direito Ambiental Brasileiro, Paulo Affonso Leme Machado, em seu livro do mesmo nome, adverte para o fato de que “não se pode suplementar um texto legal para descumpri-lo ou para deturpar sua intenção, isto é, para desviar-se da mens legis (espírito da lei, tradução nossa) ambiental federal" (pag. 109, 15ª. Edição, Malheiros).
3. Parece que Machado estava se referindo ao projeto de lei em espécie, senão veja-se seu escopo: a “dispensa de licenciamento ambiental de atividades modificadoras do meio ambiente”, como se possível fosse. Ora, a Lei Federal que traça as normas gerais sobre o processo de licenciamento é a Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, ao estabelecer em seu art. 10 o seguinte:
Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA (...) (grifos nossos).
4. A mesma redação é repetida pelo Decreto n. 99.274/90, que regulamentou a Lei 6938/81, em seu art. 17, e pela Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) n. 237/97, que disciplina o licenciamento ambiental, em seu art. 2º. Em nenhum desses diplomas normativos – que estabelecem as normas gerais, repita-se – se prevê a dispensa de licenciamento. O que há é a previsão de procedimentos simplificados, conforme dispõe o § 1º do art. 12 da referida Resolução CONAMA 237/97, com a seguinte redação: “Poderão ser estabelecidos procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental, que deverão ser aprovados pelos respectivos Conselhos de Meio Ambiente”. Repita-se: quando o impacto ambiental for pequeno, procedimento simplificado, nunca sua dispensa.
5. Será que o governo do Estado pretendeu desconhecer a legislação ambiental e ignorar os ensinamentos dos doutrinadores? Senão veja-se o que Paulo de Bessa Antunes, em seu Direito Ambiental preleciona: “Todas as atividades capazes de alterar negativamente as condições ambientais estão submetidas ao controle ambiental, que é uma atividade geral de polícia exercida pelo Estado (...) O licenciamento ambiental é, juntamente com a fiscalização, aprincipal manifestação do poder de polícia exercido pelo Estado sobre as atividades utilizadoras de recursos ambientais” (pags. 141 e 142, 11ª. Edição, Lumen Juris) (grifos nossos).
6. O licenciamento, que é prévio, decorre exatamente do Princípio da Prevenção, que, traduzido à linguagem popular, nos diz que, em matéria ambiental, principalmente, é bem melhor prevenir do que remediar, razão porque é reconhecido a ele, licenciamento, bem como à avaliação de impacto ambiental, o status de instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, por força do que estabelece o art. 9º. , incisos III e IV, da já referida Lei 6.938/81.
7. Não fosse já suficientemente grave (e inconstitucional) a dispensa de licitação prevista nos arts. 1º. e 2º. do referido projeto, neste último artigo, há a previsão de que atividades extremamente impactantes, como aterros sanitários, desmatamentos e, pasme-se, a aqüicultura (onde se encontra a carcinicultura, ou seja, a criação de camarões em cativeiro, que têm causados inúmeros danos à Natureza) não serão mais licenciadas. Para alguns desses casos (obras de saneamento, aterros etc.) é exigido não só o licenciamento, como também o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, conforme pode se ver do art. 2º. da Resolução CONAMA 001/86, que estabelece as diretrizes gerais para a Avaliação de Impacto Ambiental (outro instrumento, conforme já se viu, da Política Nacional do Meio Ambiente que concretiza o Princípio da Prevenção).
8. Não menos grave e inconstitucional é o art. 3º. do malsinado projeto. Ali se prevê que, para casos definidos por Decreto do Chefe do Executivo, como “obras públicas ou privadas estratégicas para o Estado do Ceará” o “ato de licenciamento” passa a ser de competência do Presidente do Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente.
9. O que poderia parecer uma impropriedade jurídico-legislativa – “ato de licenciamento” – ao invés de “processo (ou procedimento) de licenciamento”, já que o licenciamento é um “procedimento” e as licenças ambientais são “atos administrativos” (art. 1º. da já aludida Resolução 237/97), na verdade pode ser uma outra monstruosidade autoritária: a decisão apenas do Governador – que “decreta” a obra pública ou privada como “estratégica” - e de seu secretário (o presidente do CONPAM) que assinaria a licença, numa concentração de poderes digna das monarquias absolutistas e outros regimes autoritários.
10. Nesse desenho institucional, se retiraria, de uma só penada, a análise técnica feita pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE) para o licenciamento dessas obras e a possibilidade da discussão pública a ser feita no plenário do Conselho Estadual do Meio Ambiente (COEMA), órgão de participação popular, com representação do governo, das universidades, dos movimentos e da sociedade, nos casos em que a licença ambiental é submetida àquele colegiado.
11. Basta abrir a página na internet do Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente (CONPAM) para ver que não se encontra, entre suas atribuições (porque talvez nem tenha pessoal quantitativa e qualitativamente capacitado para isso), o procedimento de licenciamento ambiental (http://www.conpam.ce.gov.br/conhecaconpam/competencias).
12. Na verdade, a atividade de licenciamento estadual é uma atribuição da SEMACE, desde que ela foi criada pela Lei Estadual n. 11.411, de 28 de dezembro de 1987, conforme se vê na informação do próprio sítio virtual do órgão: “A SEMACE integra o Sistema Nacional de Meio Ambiente na qualidade de órgão Seccional do Estado do Ceará, competindo-lhe especialmente: (...) III. Administrar o licenciamento de atividades poluidoras do Estado do Ceará” (http://www.semace.ce.gov.br/asemace/apresentacao/).
13. Também são subtraídas, de forma não tão sorrateira, atribuições do Conselho Estadual do Meio Ambiente (o COEMA), pois o Decreto Estadual n. 23.157/99, que aprovou o Regimento Interno daquele órgão colegiado, estabeleceu, dentre suas atribuições, no inciso VIII do art. 8º.: Apreciar os Pareceres Técnicos da SEMACE relativos ao licenciamento de obras e/ou empreendimentos de significativo impacto ambiental, para os quais se exige EIA/RIMA, evocados a partir do relatório mensal encaminhado ao Conselho pelo Órgão ambiental do Estado (http://www.semace.ce.gov.br/asemace/coema/regimento.asp).
14. Para completar, o art. 4º. ainda autoriza o Chefe do Poder Executivo a editar os atos normativos que se fizerem necessários à fiel execução desta Lei. Não é à toa que esta lei está sendo denominado de AI5 Ambiental, porque nunca se viu tantos poderes concentrados numa única pessoa: o Governador do Estado.
15. Se, no artigo 2º., se prevê a dispensa de licenciamento ambiental para mais de 20 atividades e empreendimentos, e se, no art. 3º. do projeto, se estabelece que se o governador decretar que uma obra (pública ou privada) tem o status de “estratégica”, passando a ser licenciada pelo secretário-presidente do CONPAM, o que restará para a SEMACE, tecnicamente, e para o COEMA, como órgão da cidadania?
16. Em apenas 4 (artigos), o Governador do Estado pretende “revogar” dispositivos e instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (válidos para todo o país), derrogar a Política Estadual do Meio Ambiente, esvaziar a atuação técnica da SEMACE, impedir o debate e a participação popular no COEMA.
17. Mais grave é pensar nas conseqüências da aprovação dessa lei (até o momento em que, certamente, será declarada inconstitucional): nos municípios, como já ocorre, à falta de órgãos executivos e colegiados do meio ambiente, os prefeitos se sentirão com um “cheque em branco” para obras sem o mínimo de cuidado ambiental, como já são as famosas passagens molhadas, e as obras de saneamento em áreas de preservação permanente; em Fortaleza, as obras para a Copa do Mundo sendo construídas a toque de caixa e atropelando, literal e figuradamente, as comunidades atingidas e o meio ambiente; e, em todo o Estado, a proliferação de empreendimentos altamente degradantes em nome de um desenvolvimento socialmente excludente e injusto e ecologicamente insustentável.
18. Tudo isso – a dispensa do licenciamento ambiental e a degradação ecológica daí decorrente – leva à negação do Direito Fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que é bem de uso comum do povo (e não de poucos) e essencial à sadia qualidade de vida para as atuais e futuras gerações, na forma como preceitua o art. 225 de nossa Constituição, que, também, é violentado pela proposta governamental.
19. Será que nem as tragédias socioambientais que têm sido recorrentes nesses tempos de mudanças climáticas – onde a catástrofe da região serrana do Rio de Janeiro é a mais próxima – terão o condão de sensibilizar o Chefe do Executivo e os representantes do Povo no Parlamento Estadual?
20. É para eles e elas – Governador, deputados e deputadas – que é dirigido este apelo, esta demanda, esta exigência da cidadania. Ao Chefe do Executivo, para que retire a mensagem que enviou para ser votada em regime de urgência, no mínimo para se ter mais tempo para discussão. Aos e às Parlamentares, se não houve a retirada, para que rejeitem a matéria, por ser inconstitucional, antijurídica, antiecológica e inoportuna.
Fortaleza, Ceará, Brasil, aos 17 de janeiro de 2011
ASSINAM O MANIFESTO
Instituições, Movimentos e Redes
1. Associação Civil Alternativa Terrazul;
2. Associação Missão Tremembé;
3. Canto Ecológico;
4. Centro de Assessoria Popular Caldeirão;
5. Coletivo de Juventude pelo Meio Ambiente do Ceará
6. Fórum Cearense do Meio Ambiente – FORCEMA;
7. Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará;
8. Instituto Ambiental e Estudos e Assessoria;
9. Instituto Ambiental Viramundo;
10. Instituto Brasileiro de Defesa da Cidadania - Ibradec;
11. Instituto Terramar;
12. LAMCE - Liberdade do Amor entre Mulheres no Ceará;
13. Movimento Proparque;
14. Organização Não governamental: Ceará em foco: Antenas e Raízes;
15. Rede Costeiro-Marinha e Hídrica do Brasil – REMA;
16. Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares no Ceará – Renap – Ce;
17. Serviluz Sem Fronteiras;
Assinaturas individuais
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