terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Para onde vai a política externa?

Do vi o mundo.


Para onde vai a política externa?

por Luiz Carlos Azenha
Por mais que o presidente Lula tenha declarado publicamente que a escolha da África como um dos eixos da política externa de seu governo foi consequência do desejo de saldar uma dívida histórica do Brasil com aquele continente, sabemos que por trás de causa tão nobre havia um cálculo político. São 54 os países africanos. Portanto, 54 votos nos organismos multilaterais, especialmente nas Nações Unidas, onde um dos objetivos da política externa brasileira é conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança.
Parece claro que o Brasil mimetizava movimento feito antes pela China. Tirando proveito do saldo politicamente positivo, para a China, de relações bilaterais forjadas no apoio a movimentos de libertação nacional, Beijing contou com apoio decisivo dos países africanos na ofensiva internacional para deslegitimar o regime de Taiwan. A China ingressou no Conselho de Segurança em 1971, surfando nos apoios que conquistou no Terceiro Mundo e tirando proveito do fato de que o governo Nixon já estava inclinado a abandonar Taiwan para fechar com Beijing, consolidando o rompimento entre os comunistas chineses e os soviéticos (Nixon visitaria a China em 1972, para normalizar relações).
Não sabemos, ainda, qual é o grau de mudanças que o governo Dilma fará em relação à política externa dos dois mandatos de Lula. Se haverá mudança, pelo que leio, será num certo ativismo brasileiro em defesa dos Direitos Humanos em fóruns internacionais.
É uma escolha curiosa a da presidenta Dilma. Não acredito que seja uma decisão baseada apenas em convicções pessoais de quem foi vítima do regime militar. Primeiro, porque não se faz política externa baseada em convicções pessoais de um governante, mas nos interesses de um estado. Segundo, porque a escolha dos Direitos Humanos expõe o Brasil a uma série de armadilhas e é contraditória com uma posição histórica da diplomacia brasileira, a defesa do princípio da não intervenção em assuntos internos de outros estados.
Não é contraditório, em si, defender ao mesmo tempo a soberania e os Direitos Humanos. Porém, na política internacional, os Direitos Humanos são frequentemente usados, pelo Ocidente, para extrair concessões de regimes não alinhados. A possibilidade de apedrejamento de uma mulher no Irã gerou muito mais mídia e repercussão que o tratamento bárbaro dado por Israel aos palestinos de Gaza, para ficar em um único exemplo.
Não é preciso ir longe para constatar que os Direitos Humanos das populações que vivem em regimes adversários valem muito mais, quando olhados de Washington, que os de populações submetidas a regimes ditatoriais “amigáveis”. Quantas vezes vocês tinham lido, na mídia, protestos contra o regime ditatorial (pró-ocidental) da Tunísia? Comparem agora com as manchetes que voces leram sobre o “regime autocrata” da Venezuela…
Mais que isso, os Direitos Humanos foram usados para enfraquecer a própria noção de soberania absoluta. O que foram as “intervenções humanitárias” dos Estados Unidos nos anos 90, além do passo anterior às guerras preventivas?
Diz Chalmers Johnson, em The Sorrows of Empire:
“Desde o início dos anos 90, os Estados Unidos alegaram motivações humanitárias em uma série de intrusões armadas na Somália, Haiti, Bosnia e Kosovo. A intervenção humanitária não foi apresentada originalmente como justificativa para nossa invasão do Afeganistão. Depois que estávamos lá, no entanto, o governo Bush alegou que uma de nossas preocupações era o tratamento duro dado às mulheres pelo talibã. Isso não era um problema para nossos líderes durante os anos 80, quando deram grande apoio e armaram as forças que viriam a se tornar o governo talibã [do Afeganistão]. Durante aqueles anos, os Estados Unidos e muitos de seus aliados fracassaram no reconhecimento de suas ‘responsabilidades’ com os ruandenses, chechenos, tibetanos, kashemiris, timorenses e palestinos”.
A política externa do ex-chanceler Celso Amorim era consistente com o objetivo do Brasil de angariar votos em instâncias internacionais: uma atuação de bastidores nas questões de Direitos Humanos, sem as denúncias públicas — em geral unilaterais — que acompanham a atuação da diplomacia dos Estados Unidos.
Qual o motivo, então, da mudança?
O assessor internacional Marco Aurélio Garcia, em entrevista ao jornal Valor Econômico, disse que na questão dos Direitos Humanos o Brasil vai atuar nos fóruns internacionais contra quem quer que seja, mesmo que Estados Unidos ou Suiça. O que ele não disse é que, por motivos óbvios, as denúncias contra estes países raramente chegam aos fóruns internacionais.
O que me parece claro nesta calibragem da política externa brasileira é que ela pode sinalizar uma mudança significativa a longo prazo.
Por que, afinal, o Brasil deixaria de cortejar os eleitores do Terceiro Mundo?
Resposta rápida: pelo apoio dos Estados Unidos à presença do Brasil no Conselho de Segurança, numa futura reforma da ONU.
Operar uma guinada destas seria para um ex-embaixador do Brasil em Washington, por exemplo.
Testando hipóteses: o Brasil adota o receituário de Washington para os Direitos Humanos (vale cobrar Cuba, Venezuela, Sudão, Irã, Zimbábue, Coreia do Norte; não vale cobrar Estados Unidos, Arábia Saudita, Israel, etc); o Brasil desiste de uma política externa independente e de futuras pretensões nucleares (como fez a França, ao optar por ter seu próprio guarda-chuva nuclear, independente da OTAN); o Brasil compra caças americanos F-18 e ganha o papel de gendarme disfarçado dos Estados Unidos na América Latina (ampliando o papel que já desempenha no Haiti, por exemplo); o Brasil ganha um assento no Conselho de Segurança.
Se isso de fato acontecer, virá disfarçado sob o discurso de que o Brasil precisa “assumir responsabilidades compatíveis com sua importância econômica” para se sentar à mesa com “os grandes” e outras platitudes do gênero.
Essa guinada não é, necessariamente, ruim para os interesses nacionais; mas não se pode justificá-la meramente em nome de interesses econômicos conjunturais.
É algo tão importante que não pode ser decidido nos bastidores, sem um debate nacional.
Suspeito, no entanto, que só ficaremos sabendo a conta-gotas, à medida em que mudanças concretas forem postas em prática.
PS do Viomundo: Fiquem de olho, também, nas posições do governo Dilma em relação à proteção da “propriedade intelectual”, que é uma das prioridades de Washington. Trocando em miúdos, a ideia é que a gente financie a transformação dos Estados Unidos em uma sociedade pós-industrial pagando por tecnologia com a  exportação de commodities. Mas e se a produção de commodities destruir o meio ambiente? A gente importa tecnologia “verde”, ora. Em outras palavras, seremos sempre subalternos…

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