terça-feira, 25 de agosto de 2009

Pensamento - Nando Reis em defesa dos "Richarlysons"

Extraído do blog do Daniel Perrone, com texto do sãopaulino Nando Reis.
Fala do preconceito ao Richarlyson. Concordo com quase tudo, menos quando ele diz que o Ricky é um atleta competente. Ele é muito ruim, péssimo!

Queria apenas agradecer ao Perrone por ter estado conosco aqui em Fortaleza (churrascaria Suprema), assistindo ao jogo contra os patéticos com a nossa torcida Família Sãopaulina. Na ocasião elogiei o seu trabalho e o paulistano respondeu: "É nóis!".

Intolerância Coletiva (por Nando Reis)

Estava faz tempo para escrever algo do gênero, mas não conseguiria
ser tão direto e ao mesmo tempo brilhante como o grande Nando Reis.

Segue o texto do ex-titã, uma das minhas grandes referências musicais:

Não é de hoje que vêm essas manifestações preconceituosas e intolerantes por parte da torcida do São Paulo contra Richarlyson. O motivo? A suposta orientação sexual do jogador que, segundo seus detratores, não condiz com o padrão de virilidade necessário à arquitetura idealizada por aqueles que desenham o protótipo do jogador.

Seja nas arquibancadas, onde as torcidas uniformizadas omitem o nome do jogador na saudação tradicional que fazem aos atletas que entram em campo, seja nas numeradas, onde a cada eventual erro do bom jogador as ofensas vêm sempre carregadas de veneno homofóbico. Na semana passada o chefe de uma dessas torcidas uniformizadas declarou que algumas atitudes do jogador fora de campo não “pegam bem” para os são-paulinos. Como todos sabem, os torcedores rivais se referem aos tricolores como “bambis”, caracterização agressiva que pretende ridicularizar a torcida com essa associação considerada desprestigiosa dentro do restrito universo mental dos trogloditas. Para esses, “futebol é coisa de macho”.

Como são-paulino, digo apenas que me sinto completamente desincompatibilizado com a rejeição que a torcida tem ao jogador. Não que haja algum tipo de decepção, porque há muito eu já desisti de esperar qualquer coisa dos homens, principalmente quando se reúnem e se manifestam coletivamente. Se a unanimidade é burra, a coletividade é estúpida. Em geral, nos grupos sempre acaba prevalecendo a ideia mais rasa, a superficialidade das opiniões sem autenticidade, dos clichês banais, da incapacidade de um pensamento próprio, da falta de ousadia e da falta de coragem de discordar. Chega a ser engraçado pensar que um bando de seres humanos, covardemente protegidos pelo anonimato da multidão, se deem ao direito de se erguer com bravatas e insultos contra um indivíduo que tem a coragem e a força de não se submeter às convenções. Desses sujeitos diferentes eu gosto, os respeito e admiro.

Na verdade, me sinto desconectado desse tipo de pensamento, desse tipo de atitude, dessa ideia obscurantista que há – e muito – nesse ambiente careta do futebol. Vou ao estádio para me divertir e me emocionar com o meu time, nada mais. Com a torcida, pouco me identifico. Acho que as torcidas são todas iguais, elas agem da mesma maneira tendenciosa e irracional. Os gritos são quase sempre de afrontamento e para hostilizar. Todas as torcidas crucificam os seus “Richarlysons”: ou por serem pretos demais, ou homens de menos, baixos ou gordos, sempre haverá um “defeito” que os acusadores encontram para não olharem para os seus próprios. O incômodo que causa a figura de Richarlyson é emblemático de um dos grandes medos do homem – não ser tão potente quanto desejaria. Na face do camisa 20 do São Paulo, imagino que cada um daqueles que o ofende veja o seu próprio rosto, numa dolorosa e indesejável projeção: os calvos veem ali a juventude perdida com a ausência dos fios de cabelos, os maridos infiéis veem ali sua desonestidade vergonhosa e repetida , as mulheres infelizes com seus corpos veem ali a incerteza de não se saberem admiradas, os insatisfeitos com seus empregos veem ali o temor de não serem tão capazes quanto supunham.

A cada ofensa que é disparada ao jogador são-paulino pela sua própria torcida, fica evidente a dificuldade que existe em aceitarmos aqueles que são diferentes: os extraordinários, os rebeldes, os inconformados, os insubordinados, os que desafiam o senso comum. A mim pouco interessa se Richarlyson prefere peixe ou porco: além do seu competente futebol, sua inabalável conduta me cativa como um admirador ainda maior.

Nando Reis

Fonte: 20/08/2009 - Coluna Boleiros do Caderno de Esportes do Estado de São Paulo.

Genial!!!

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