sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Especulação imobiliária no litoral cearense - aqui já virou terra de gringo

Do Correio Braziliense.

Com o apoio do governo, espanhóis e portugueses fincam bandeira no Ceará


Lúcio Vaz


Aquiraz e Caucaia (CE) — Grandes empreendimentos turísticos com financiamento de empresas estrangeiras e fundos de investimento internacionais estão comprando paraísos ecológicos até então intocados no litoral do Ceará. O valor dos negócios supera os R$ 5 bilhões. A ocupação é agressiva e sem controle. Os projetos ocupam dunas fixas e móveis, áreas de marinha, estuários e terras reivindicadas por indígenas. Há casos em que áreas desmatadas são abandonadas por projetos fracassados. Os forasteiros são recebidos de portas e cofres abertos pelo governo do estado, que já injetou cerca de R$ 100 milhões em obras de infraestrutura em apenas duas iniciativas. Ontem, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou empréstimo internacional de US$ 250 milhões para aprimorar a infraestrutura turística na região.

O complexo turístico de Aquiraz Riviera tem até campo de golfe. Mas o município de Aquiraz não conta nem com esgoto tratado - (Cadu Gomes/CB/D.A Press)
O complexo turístico de Aquiraz Riviera tem até campo de golfe. Mas o município de Aquiraz não conta nem com esgoto tratado


Os nomes dos grupos estrangeiros não aparecem nos registros feitos nem nos cartórios locais ou na Junta Comercial do Ceará, como mostra pesquisa feita pelo Correio. Os empreendimentos são registrados em nome de empresas brasileiras criadas pelos consórcios multinacionais. Os prestadores de serviços turísticos são obrigados a se cadastrar no Cadastur, do Ministério do Turismo, mas os hotéis só fazem isso quando entram em operação. Antes disso, somente se a companhia buscar recursos públicos, seja ela nacional ou estrangeira. Além disso, como as regras para brasileiros e estrangeiros são praticamente as mesmas, o ministério não informa quantas das empresas cadastradas são de fora do país. A única exigência é que os gringos tenham endereço oficial no Brasil.

Um dos exemplos encontrados no litoral cearense é o projeto Aquiraz Riviera, distante 35km de Fortaleza, desenvolvido pelo consórcio luso-brasileiro Aquiraz Empreendimentos Turísticos — nome registrado no cartório do município de Aquiraz. O governo do estado bancou a duplicação de 24 quilômetros da estrada estadual CE-040 para facilitar o acesso ao empreendimento, a um custo de R$ 17,8 milhões. Já a restauração de oito quilômetros da CE-453, mais o acesso de dois quilômetros ao condomínio, custaram R$ 5,3 milhões. A implantação do sistema de abastecimento de água e de tratamento de esgoto de todo o complexo turístico, que vai abranger oito hotéis, consumiu mais R$ 12,8 milhões. A rede de energia elétrica ficou em R$ 4 milhões. Até a estrada asfaltada que corta o condomínio de luxo, cercado por muros que chegam perto da praia, foi feita pelo governo do estado. Os investimentos milionários e os suntuosos campos de golfe sobre as dunas, entretanto, contrastam com a realidade do município, que não conta nem com esgoto tratado, segundo informou o secretário municipal de Turismo, Erick Vasconcelos.

Sobre o fato de o empreendimento querer tornar privativa parte da praia — o que, por lei, é proibido —, o secretário estadual de Turismo do Ceará, Bismark Maia, afirma que exigiu que o loteamento não tenha “nenhuma cancela”. O próprio coordenador de Turismo do projeto, o português José Wahnon, reconhece que não poderá impedir o tráfego de pessoas estranhas ao condomínio pela estrada pública, mas revela que pretende controlar o acesso: “Vamos cobrar pelo estacionamento nas lojas e nos bares próximos à praia”.

O governo cearense também assegurou a infraestrutura para a implantação do Cumbuco Golf Resort, um empreendimento do grupo português Vila Galé. A estrada que vai do município de Caucaia ao empreendimento, passando pela vila de Cumbuco, custou R$ 10,4 milhões. A energia elétrica, mais R$ 6,5 milhões. Também foi necessário implantar sistema de abastecimento de água e esgoto. As obras de saneamento de Cumbuco entraram na conta dos gastos de R$ 40,3 milhões.

Fracassos
Dois projetos de grupos espanhóis não tiveram o mesmo sucesso. A iniciativa Cidade Nova Atlântida, com orçamento de R$ 2,4 bilhões, no município de Itapipoca, entre a Praia da Baleia e a foz do rio Mundaú, tenta sair do papel há quase 20 anos. O terreno de 32km² foi comprado pelo espanhol Juan Ripoll Mari em 1985, como registra o cartório de Itapipoca. Dois anos mais tarde, o lote foi transformado em área urbana por lei municipal, mas continua intocado. A Junta Comercial do Ceará apresenta Ripoll como sócio majoritário, com capital de R$ 70 milhões. Mas o advogado da empresa, Djaura Dutra, disse à reportagem que o sócio majoritário agora seria outro espanhol, Xavier Mitats, do grupo Afirma. “Não tenho conhecimento sobre quem possui a área. É um projeto antigo. Ninguém sabe quem é o dono.” A área também é reivindicada pelas comunidades indígenas de Buritis e de São José.

A especulação imobiliária no litoral, aliás, quando fracassada, às vezes devasta o meio ambiente e deixa um rastro de destruição. É o caso da área que se tornaria o Playa Mansa, em Fortim, distante 130km de Fortaleza. O grupo espanhol Confide comprou 295 hectares entre o mar e a foz do Rio Jaguaribe. Seriam construídos quatro hotéis, campo de golfe e marina. O empreendimento adquiriu os terrenos a preço de banana e destruiu casas de pescadores, além de desmatar a região. Mas desistiu do projeto e não deu mais explicações. Espalhados pela areia, sobraram escombros e restos de vegetação.

Hoje, para evitar situação semelhante, o secretário afirma que o governo local se preocupa com os investidores de fora. “No passado, a toda hora apareciam investidores. E, quando o governo sinalizava com investimentos em infraestrutura, as áreas se valorizavam até seis vezes mais.”

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