quarta-feira, 3 de março de 2010

Com a palavra, Fidel - Visita de Lula

Fidel fala das catástrofes do Haiti e, mais recentemente, do Chile. Fala da recente visita do presidente Lula à Havana e da suas vitórias e derrotas nas urnas (principalmente das derrotas).
Extraído do tijolaço e traduzido pelo próprio Brizola Neto.


O último encontro com Lula

Fidel Castro

Eu o conheci em Manágua, em julho de 1980, 30 anos atrás, durante o primeiro aniversário da revolução sandinista, graças aos meus contactos com os defensores da teologia da libertação, que começou no Chile em 1971, quando visitei o Presidente Allende.

Por Frei Betto, sabia quem era Lula, um líder trabalhista em quem os cristãos de esquerda colocavam suas esperanças, então.

Era um humilde trabalhador na indústria metalúrgica, que era notável por sua inteligência e prestígio entre os sindicatos, na grande nação que emergiu das trevas da ditadura militar imposta pelo império ianque, na década de 60.

As relações do Brasil com Cuba tinha sido excelente até que o poder dominante no hemisfério, as fez sucumbir. Décadas se passaram desde então, até que voltaram, lentamente, a tornarem-se o que são hoje.

Cada país tem sua história. Nosso país sofreu pressões incomuns e experimentou fases incríveis desde 1959, na sua luta contra as agressões do império mais poderoso que existiu na história.

Portanto, para nós tem uma enorme transcendência a reunião que se realizou em Cancun e a decisão de criar uma comunidade de países latino-americanos e do Caribe. Nenhum outro fato institucional do nosso hemisfério, no século passado,tem importância semelhante.

O acordo foi alcançado em meio à mais grave crise económica que teve lugar no mundo globalizado, coincidindo com o maior perigo de uma catástrofe ecológica de nossa espécie e ainda com o terremoto que destruiu a Porto Príncipe, capital do Haiti, o mais doloroso desastre humano na história do nosso hemisfério, o país mais pobre do continente e o primeiro em que a escravidão foi erradicada.

Ao escrever esta reflexão, apenas seis semanas após a morte de mais de duzentas mil pessoas, segundo dados oficiais naquele país, a notícia chegou dramática dos danos causados por um outro terremoto no Chile, que levou à morte de pessoas, cujo número já se acerca cerca de mil, segundo dados das autoridades, e com grandes danos materiais. Comoveram-nos, especialmente, as imagens do sofrimento de milhões de chilenos material ou emocionalmente afetados por esse golpe cruel da natureza. O Chile, felizmente, é um país com mais experiência com este tipo de fenómeno, muito mais desenvolvido economicamente e com mais recursos. Se ele não tivesse contado com mais infraestrutura sólida e edifícios, um número incalculável de pessoas, talvez dezenas ou mesmo centenas de milhares de chilenos, teria perecido. Fala-se de dois milhões de pessoas afetadas e de perdas de entre 15 e 30 bilhões de dólares. Em sua tragédia, o Chile também tem a simpatia e solidariedade dos povos, incluindo o nosso, mas dado o tipo de cooperação que necessita, é pouco o que pode fazer Cuba, cujo governo foi um dos primeiros a expressar seus sentimentos de solidariedade, quando as comunicações eram ainda estavam em colapso.

O país que agora põe à prova a capacidade do mundo para enfrentar a mudança climática e garantir a sobrevivência da espécie humana é, sem dúvida, o Haiti, porque é um símbolo da pobreza, de que hoje padecem milhões de pessoas no mundo inteiro, incluindo um parte importante dos povos do nosso continente.

O que aconteceu no Chile com incrível intensidade terremoto de 8,8 graus na escala Richter, ainda que, felizmente, a mais profundidade do que aquele que destruiu Porto Príncipe, obriga-me a enfatizar a importância e o dever de promover medidas para a unidade alcançada em Cancun, embora eu não tenho ilusões sobre a batalha de quão difícil e complexo será nossa luta de ideias contra o império e seus aliados dentro e fora de nossos países para impedir a unidade de trabalho e independência de nossos povos.

Eu quero um registo escrito sobre a importância e simbolismo para mim foi a visita e última reunião com Lula, do ponto de vista pessoal e revolucionário. Ele disse que, ao lado de terminar seu mandato e desejava visitar seu amigo Fidel; honroso adjetivo que recebi dele. Eu o conheço bem. Não raramente falamos amigavelmente, dentro e fora de Cuba.

Uma vez eu tive a honra de visitar sua casa em um bairro modesto de São Paulo, onde viveu com sua família. Foi para mim um encontro emocional com ele, sua esposa e filhos. Nunca se esqueça o ambiente familiar eo som do que em casa, e o afeto sincero com o qual Lula se dirigiu seus vizinhos, quando ele já era um conhecido líder sindical e político. Ninguém sabia, em seguida, se chegaria ou não à presidência do Brasil, porque os interesses e as forças que se opunham a ele eram grandes, mas eu gostava de falar com ele. Lula não muito cuidado para dependentes, para sua satisfação, acima de tudo, o prazer de lutar e fê-lo com modéstia impecável, que amplamente demonstrado quando, tendo sido derrotado três vezes por seus adversários poderosos, só concordou em permitir que a nomeação do Partido Trabalhadores de uma quarta vez, por uma forte pressão de seus sinceros amigos.

Não tente contar as vezes que falamos antes de ser eleito Presidente, um deles, entre os primeiros, foi em meados dos anos 80, quando estávamos em Havana, a América Latina da dívida externa, que, em seguida, elevou-se a 300 bilhões de dólares e foi pago mais de uma vez. Ele é um lutador.

Três vezes, como eu disse, os seus opositores, apoiados por enormes recursos financeiros e meios de comunicação, foi derrotado nas urnas. Seus colegas mais próximos e amigos, porém, sabia que era hora de que o trabalhador humilde foi o candidato do Partido dos Trabalhadores e das forças de esquerda.

Por certo seus adversários subestimaram ele, pensei que não podia contar com qualquer maioria no Legislativo. A URSS já não existia. O que poderia significar Lula na frente do Brasil, um país de grande riqueza, mas de pouco desenvolvimento nas mãos de uma classe rica e influente meio?

No entanto, a crise entrou neoliberalismo, a Revolução Bolivariana triunfou na Venezuela, Menem foi despencando, Pinochet tinha desaparecido da cena e Cuba resistia. Mas Lula é eleito, quando Bush ganha E.U. fraudulenta, despojando da vitória seu rival Al Gore.

Ali começou uma fase difícil. Promover a corrida armamentista e, com isso, o papel do Complexo Industrial-Militar, e cortar impostos para os ricos, foram os primeiros passos do novo Presidente dos Estados Unidos.

Sob o pretexto da luta contra o terrorismo, a retomada das guerras de conquista e do assassinato institucionalizado e tortura como um instrumento de dominação imperialista. São impublicáveis os fatos relacionados com prisões secretas, que delatavam a cumplicidade dos aliados dos Estados Unidos com essa política. com essa política. Assim, acelerou-se a pior crise econômica que ciclicamente acompanha o capitalismo desenvolvido, mas desta vez com os privilégios de Bretton Woods e nenhum dos seus compromissos.

O Brasil, entretanto, nos últimos oito anos sob a liderança de Lula, superou obstáculos, alcançou maior desenvolvimento tecnológico e reforçou o peso da economia brasileira. A parte mais difícil foi o seu primeiro mandato, mas teve êxito e ganhou experiência. Com a sua incansável luta, a serenidade, o sangue frio e crescente comprometimento com a tarefa em tais condições difíceis internacional, o Brasil atingiu um PIB que se aproxima dois trilhões de dólares. As fontes de dados variam, mas todos o colocam entre as 10 maiores economias do mundo. No entanto, com uma área de 8 milhões e 524 mil quilômetros quadrados, em comparação com os EUA, que tem pouco mais de território, o Brasil chega a apenas cerca de 12% do PIB daquele país imperialista que saqueia o mundo e espalha suas forças armadas em mais de mil bases militares ao redor do planeta.

Tive o privilégio de assistir a sua posse no final de 2002. Lá também foi Hugo Chávez, que tinha acabado de enfrentar o traiçoeiro golpe de 11 de abril daquele ano, depois do da crise petroleira organizada contra ele por Washington, já no Governo Bush. As relações entre Brasil, da República Bolivariana e Cuba sempre foram boas e de mútuo respeito.

Eu tive um acidente grave em outubro de 2004, que limitou severamente a minha atividade durante meses e adoeci gravemente no final de julho de 2006, em razão do que não hesitei em delegar minhas funções como chefe do partido e do estado, o que fiz a 31 de julho daquele ano, a título provisório, ao que logo dei caráter definitivo, quando percebi que não seria capaz de assumi-las novamente.

Enquanto a gravidade da minha saúde me permitiu estudar e meditar, dediquei-me a ele e rever os materiais de nossa Revolução, e de vez em quando para publicar algumas reflexões.

Depois que adoeci, tive o privilégio de ser visitado por Lula todas as vezes que viajou para o nosso país e de conversar longamente com ele. Não posso dizer que eu concordava com todas as suas políticas. Eu sou, em princípio, contrário a produção de biocombustíveis a partir de produtos que podem ser usadas como alimento, sabendo que a fome é e será cada vez mais uma grande tragédia para a humanidade.

Isso, contudo – o digo com toda a franqueza – não é um problema criado pelo Brasil e muito menos por Lula. É parte inseparável da economia global imposta pelo imperialismo e seus aliados ricos que, subsidiando sua produção agrícola, protegem os seus mercados internos e competem no mercado mundial de exportações de alimentos dos países do Terceiro Mundo, obrigados a importar em troca produtos industriais feitos com matérias-primas e recursos energéticos deles mesmos, que herdaram a pobreza de séculos de colonialismo. Compreendo perfeitamente que o Brasil não tinha outra alternativa, contra a concorrência desleal e dos subsídios dos Estados Unidos e da Europa, do que aumentar sua produção de etanol.

A taxa de mortalidade infantil no Brasil ainda é 23,3 por mil nascidos vivos e a mortalidade materna de 110 por 100 mil partos, enquanto que em países ricos e industrializados é inferior a 5 e 15, respectivamente. Muitos outros dados semelhantes poderiam ser citados.

O açúcar de beterraba, subsidiado pela Europa, tirou Cuba do mercado do açúcar derivado de cana-de-açúcar, trabalho agrícola e industrial precário e eventual, que mantinha grande parte do tempo no desemprego os trabalhadores do açúcar. Estados Unidos, por seu lado, teve também de nossas melhores terras e das suas empresas eram os donos da indústria. Um dia, de repente, tiraram-nos da quota de açúcar e bloqueado o nosso país para esmagar a revolução e da independência de Cuba.

Hoje o Brasil desenvolveu o cultivo de cana-de-açúcar, soja e milho, com máquinas de alta performance para uso nestas culturas, com alta produtividade. Quando, um dia, assisti um filme de uma área de 40 mil hectares de terras em Ciego de Avila, plantada com milho e soja em rotação, onde se vai trabalhar ao longo de todo o ano, exclamei: é o ideal de uma empresa agrícola socialista, altamente mecanizada, com alta produtividade por homem e por hectare.

Os problemas da agricultura e de suas plantações, no Caribe são os furacões que, em números crescentes, arrasam seu território.

Também o nosso país elaborou e assinou com o Brasil o financiamento e construção de uma ultra-moderno porto em Mariel, que ´será de enorme importância para a nossa economia.

Na Venezuela, estão utilizando a tecnologia brasileira agrícola e industrial para a produção de açúcar e utilizando bagaço de cana como fonte de energia térmica. São equipamentos de ponta, que estão trabalhando em uma empresa também um socialista. Na República Bolivariana usam o etanol para minorar os efeitos ambientais nocivos da gasolina.

O capitalismo desenvolveu sociedades de consumo e também o desperdício de combustível, que gerou o risco de uma mudança climática dramática. A Natureza levou 400 milhões de anos para criar o que a humanidade está consumindo em apenas dois séculos. A ciência ainda não resolveu o problema da energia para substituir aquela que o petróleo que produz, hoje. Ninguém sabe quanto tempo isso levará e quanto custará. Disporá dele? Isso é o que se discutiu em Copenhague e foi um fracasso total.

Lula me disse que quando o álcool custa 70% do valor da gasolina já não é negócio produzi-lo. Disse-me que o Brasil a maior floresta do mundo e que vai reduzir a taxa de desmatamento a 80%.

Hoje o seu país tem a mais alta tecnologia no mundo para perfurar offshore, e pode extrair petróleo a uma profundidade de sete mil metros de água e dos fundo marinho. 30 anos atrás, isso teria parecido história de ficção científica.

Ele explicou os programas de alto nível educacional que o Brasil pretende levar por diante. Valoriza o papel da China na cenário global. Orgulhosamente declararam que o comércio com a China ascende a 40 bilhões de dólares.

Uma coisa é indiscutível: o operário metalúrgico se tornou um estadista proeminente e prestigiado, cuja voz é ouvida com respeito em todas as reuniões internacionais.

Ele se orgulha de ter recebido a honra dos Jogos Olímpicos para o Brasil em 2016, em virtude do excelente programa apresentado na Dinamarca. Será também anfitrião da Copa do Mundo em 2014. Tudo tem sido o resultado dos projetos apresentados pelo Brasil, que superaram os dos seus concorrentes.

A grande prova da sua falta de interesse era buscar um terceiro mandato e espera que o Partido dos Trabalhadores continue governando o Brasil.

Alguns ciumentos de seu prestígio e sucesso, e pior ainda, aqueles que servem ao império, criticaram-no para visitar Cuba. Usaram para isso as calúnias vis que durante meio século, são usadas contra Cuba.

Lula sabe há muitos anos no nosso país nunca se torturou ninguém, nunca se ordenou o assassinato de um adversário, nunca se mentiu para o povo. Tem certeza de que a verdade é companheira inseparável de seus amigos cubanos.

De Cuba, ele partiu para o nosso vizinho Haiti. A ele informamos nossas ideias sobre o que propomos em relação a um programa sustentável, eficiente e especialmente importante e muito econômico para o Haiti. Sabe que mais de cem mil haitianos foram tratados por nossos médicos e formandos da Faculdade de Medicina da América Latina após o terremoto. Nós falamos sobre coisas sérias, eu sei que o seu desejo ardente de ajudar este nobre e sofrido povo.

Irei manter uma memória indelével da minha última reunião com o Presidente do Brasil e não hesito em proclamá-lo.

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